Parecer 500/2008: Procedimentos, Conflitos e o Termo de Renúncia na Mineração

O Parecer/PROGE N° 500/2008-FMM-LBTL-MP-SDM-JA, emitido pela Advocacia-Geral da União junto ao então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração (ANM), representa um marco na tentativa de uniformizar procedimentos diante de conflitos entre a exploração mineral e a implantação de projetos de geração e transmissão de energia elétrica. Sua análise detalhada revela os critérios e etapas processuais estabelecidos, com destaque para as implicações do “Termo de Renúncia”.

Contexto e Princípios Fundamentais

O parecer parte da premissa constitucional de que a mineração e os serviços de energia elétrica ocupam o mesmo patamar jurídico, sem hierarquia pré-definida (Ementa, item 1; Fundamentação, item 15). Diante disso, a solução de conflitos por superposição de áreas ou interesses exige a aplicação criteriosa do artigo 42 do Código de Mineração. Este artigo permite a recusa da autorização de lavra (interpretada extensivamente para outras fases e títulos minerários – item 23) se esta for prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração mineral, “a juízo do Governo”.

A aplicação deste artigo, segundo o parecer, requer a verificação de dois requisitos cumulativos e sucessivos (Ementa, item 2; Fundamentação, item 19):

  1. Incompatibilidade Fática: A coexistência das atividades minerária e energética na área deve ser tecnicamente inviável (Ementa, item 3; Fundamentação, itens 20-21). Se ambas puderem coexistir, mesmo que com ajustes, o interesse público determina a manutenção das duas. A incompatibilidade deve ser comprovada nos autos (item 26).
  2. Preponderância do Interesse Energético: Verificada a incompatibilidade, analisa-se se o interesse público ligado ao projeto energético supera a utilidade do aproveitamento mineral na área (Ementa, item 4; Fundamentação, itens 29-30). Esta análise é discricionária (“a juízo do Governo”), baseada em conveniência e oportunidade, considerando múltiplos fatores (item 30), e, em princípio, definida pelo Ministro de Minas e Energia (Ementa, item 5; Fundamentação, item 35).

O Procedimento de Bloqueio de Área

O parecer detalha as etapas para processar um pedido de bloqueio de área para fins energéticos:

  1. Legitimidade e Requerimento: O pedido pode ser feito pelo Ministério de Minas e Energia (MME), pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) ou pelo concessionário de energia elétrica interessado (itens 38, 41-l). Deve ser formalizado por escrito à ANM, instruído com documentos que comprovem a legitimidade, a área pretendida (inclusive digitalmente), e as razões da incompatibilidade e da preponderância do interesse energético (itens 40, 41). Notavelmente, exige-se do concessionário um “termo de declaração e assunção de responsabilidade” pelas indenizações decorrentes (item 41-f).
  2. Bloqueio Provisório: Ao receber o pedido, o Diretor-Geral da ANM pode determinar a suspensão imediata da análise de processos minerários (novos ou já existentes) que interfiram na área, enquanto o pedido de bloqueio é analisado (item 43). Essa medida, de caráter cautelar e reversível (item 45), não impede a continuidade de atividades minerárias já autorizadas ou concedidas, apenas suspende a análise processual (item 46).
  3. Análise Técnica e Jurídica na ANM: A área técnica (DICAM) realiza estudos de georreferenciamento, identifica os processos afetados, executa o bloqueio nos sistemas, comunica aos interessados e à ANEEL, e analisa o cumprimento dos requisitos do art. 42 (compatibilidade e utilidade) (item 47). A Procuradoria Federal junto à ANM emite parecer jurídico (item 49).
  4. Decisão da ANM e Encaminhamento ao MME:
  • Se as atividades forem consideradas compatíveis, o Diretor-Geral indefere o pedido de bloqueio (item 51).
  • Se forem incompatíveis, verifica-se o segundo requisito. Se o interesse energético não superar a utilidade mineral, o pedido é indeferido (item 55).
  • Se forem incompatíveis e houver indícios de que o interesse energético supera a utilidade mineral, os autos são encaminhados ao MME para definição do interesse predominante (itens 53, 54). A remessa pode ser dispensada se a prioridade já foi definida por outra instância (ex: Resolução do CNPE – item 58).
  1. Decisão Final: Se o MME confirmar a preponderância do interesse energético e o termo de responsabilidade do concessionário estiver nos autos, o Diretor-Geral da ANM defere o bloqueio (total ou parcial). Isso pode levar ao indeferimento de novos requerimentos minerários ou à instauração de processo para revogação de títulos existentes na área, assegurada a ampla defesa (itens 56, 57).

O Termo de Renúncia: Uma Ferramenta Ampla e Potencialmente Prejudicial

O parecer aborda a possibilidade de outorga de títulos minerários precários e por prazo determinado, mesmo em áreas sujeitas a projetos energéticos prioritários, mediante a assinatura de um “Termo de Renúncia” pelo minerador (itens 6, 59-63). A base legal citada remonta a uma Instrução Normativa de 1983 (para áreas de inundação) e à lei de criação da autarquia (item 61).

O objetivo declarado seria permitir o aproveitamento “racional e eficiente” de recursos minerais existentes (item 62). Contudo, a análise do modelo proposto no Anexo II revela a extensão das concessões exigidas do minerador:

  1. Reconhecimento da Prioridade Energética: O minerador declara reconhecer que o interesse público do projeto energético supera a utilidade de sua exploração mineral (Anexo II, item c).
  2. Aceitação da Revogabilidade: Declara ciência de que a ANM pode, a qualquer momento e a seu critério exclusivo, revogar o título minerário ou negar sua renovação, especialmente se constatada incompatibilidade com o projeto energético (Anexo II, item d).
  3. Renúncia Irretratável ao Recurso: O minerador renuncia, de forma irretratável e irrevogável, ao direito de recorrer administrativa ou judicialmente contra a decisão de revogação ou não renovação do título (Anexo II, item e).
  4. Compromisso de Desmobilização Imediata: Compromete-se a interromper imediatamente as atividades e desmobilizar tudo em 15 dias, caso ocorra revogação ou não renovação (Anexo II, item f).
  5. Renúncia Irretratável a Indenizações: O minerador renuncia, de forma irretratável e irrevogável, a todos e quaisquer pedidos ou solicitações de indenizações, reparações ou compensações, de qualquer natureza, contra a União, a ANM ou o concessionário de energia, em razão da revogação/não renovação do título ou da consequente paralisação da atividade (Anexo II, item g).

Implicações da Renúncia:

Este termo representa uma abdicação substancial de direitos por parte do minerador. Ele aceita um título extremamente frágil, sujeito à revogação discricionária e sem direito a recurso ou compensação financeira pelos investimentos realizados ou pela perda da oportunidade de exploração. Embora o parecer mencione o direito à indenização em caso de bloqueio (itens 7, 64, 67), o Termo de Renúncia especificamente elimina essa possibilidade para quem aceita o título precário. O minerador assume todo o risco em troca de uma janela de operação incerta e potencialmente curta.

Conclusão

O Parecer 500/2008 estabeleceu um procedimento detalhado para a gestão de conflitos entre mineração e energia, baseado na análise de incompatibilidade e preponderância de interesse público. Contudo, a introdução e validação do “Termo de Renúncia”, nos moldes propostos, criaram um mecanismo que, embora possa viabilizar aproveitamentos minerais temporários, impõe condições severas ao minerador, exigindo uma renúncia ampla a direitos recursais e indenizatórios, o que demanda cautela e análise profunda por parte dos titulares de direitos minerários confrontados com essa possibilidade.

Qual sua avaliação sobre o equilíbrio proposto pelo parecer e as condições do Termo de Renúncia? Deixe seu comentário.

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